LAMPEJO

Nunca é o mesmo som 

o que me toca
um acorde novo
eu ouço nessa hora
derramado de intenção
em cada nota

um arrepio aflora...

alento pro meu ouvido

devolve-me ritmado
aquele lampejo perdido...

veja só quanto bem me fez
a sua cadenciada melodia
fina flor adorna agora a nudez

da minha poesia...
 
Maria Lucia (Centelha)
 

UM SONHO EM MINHA MÃO

houvesse em minha mão um sonho
seria argila

sensível aos dedos

movimento vigoroso

como o sovar do pão 

de cada dia

e dos corpos 

na hora do amor.

depois haveria
uma réstia de sol
pra medrar a cria
sopro de vida na matéria nova

choque sutil, revelador
sístole e diástole

substância de um pulsar humanizado

não importa a realidade ácida 

da iniquidade ao lado.

Maria Lucia (Centelha)

DESEJO

Quero-te renascendo

na alvorada dos meus braços

como quem ressurge da míngua
para fartar-se de desejadas transgressões  
devora-me e consagras a língua 
em apetite compartilhado 

à beira da ninfa
na vindima de promessas 

do meu corpo,
vem...  desbrava os meus limites

que eu me contorço

recebe-me, sou toda tua

ave migratória que encontrou o pouso
ébria de nós dois 
sem arrefecer o gozo...

Maria Lucia (Centelha )

CAMINHEIRA

Caminheira estou em meu caminho

alinhavo os passos no ritmo das estações
ao som de melodia dolente
no entremeio o silêncio dos adeuses

que me deram tanta gente...

fios de luz são os abraços
de quem ao meu lado permanece
brandura pra uma alma ferida
a me pedir quase em prece:
- esquece....esquece...

contudo, vou por aí,
às vezes, fora da linha
quando a tristeza dispersa
a compor meu caminhar
na partitura desse dia
historia da vida minha...

Maria Lucia (Centelha)

 

AROMA DE AMOR

a manhã se permite

uma chuva fina e constante

assim como eu

me permito a lembrança

de um amor amante

em hora incerta.

as gotas luminosas

tamborilam na vidraça

sons musicais que me despertam

para aquela junção

brisa e arrepio à flor da pele

que estreita o laço

em perfeito enlace

por inteiro...

era alguém que chegava sorrateiro

para os meus braços

carregado de aromas feronômicos.

Maria Lucia ( Centelha)

AFLUENTE EM MIM

 

ainda que para meus dias
sejas só ausência
ainda que 
eu não te desperte a emoção 
o amor em mim não arrefece 
acontece em mim

como vocação e sina...

é oferenda e não posse 

a minha mão de carícias

afluente que me ilumina...

se estou à margem de ti, 
fincada em silêncio
no meu jeito de amar
num abraço sem prisão
é para que a tua correnteza
siga livre ao teu destinar.

Maria Lucia (Centelha) 
 

IMEDIATO POEMA

 

...e como posso escrever versos

se apenas uma palavra me corteja

e as demais pairam em torno

na espreita do naufrágio certo?...

qual frase compor se apenas um nome 

ecoa em meu ser sem qualquer pudor

um alguém que se põe a descoberto

e me lambe, me morde, me beija...

nessa paixão à flor da pele

nenhuma dúvida ou incerteza

mas se interpõe um dilema

o coração pressente, então

que me socorram as demais palavras

para um imediato poema!...

Maria Lucia (Centelha) 

 

ESSÊNCIAS

 

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Insinuam-se deliciosas oferendas

nessa taça rubra 

que me ofereces aos lábios:

teu corpo, prazeres, luxúria....êxtase

nela borbulha a alma do vinho

cúmplice da tua

mas escapa-me ao toque da língua

a essência

a vida intensa

que adivinho

retida em envelhecida ânfora

dá-me o hoje, o agora

por fugaz momento

porém, recusa-se a embriagar-me

do primitivo segredo

para simplesmente manter inalterado

o teu inacessível vinhedo...

 

Maria Lucia (Centelha )

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